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Contos-->CONTOS AMAZÔNICOS(FUNERAL DE UMA MÃE D AGUA) -- 30/03/2000 - 15:36 (MÁRIO JORGE MOREIRA DOS SANTOS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CONTOS AMAZÔNICOS (FUNERAL DE UMA “MÃE - DÁGUA”)
A história que agora vou contar aconteceu comigo há 20 anos atrás. Naquela época morávamos em Belém do Pará e a convite de meu primo fui a uma cidadezinha do interior conhecer um garimpo. Meu tio era geólogo e trabalhava na implantação da mineradora. Cheguei na área do garimpo e em um único dia conheci todas as instalações. À noite ficamos conversando com os caboclos da região. E de tanto falarmos nas belezas da floresta, resolvemos, eu e meu primo, sair em exploração àqueles rios e igarapés. Saímos em uma pequena canoa, juntamente com o filho de um dos capatazes da mineradora que era conhecedor daqueles rios. Passamos o dia todo perdidos entre a beleza da floresta e as estórias contadas pelo nosso guia. Perdemos a noção do tempo, e como já estava tarde para voltarmos ao acampamento, resolvemos pernoitar numa aldeia próxima. Nossa chegada a aldeia não foi muito amistosa pois naquele dia estava acontecendo um ritual místico secreto e nós não poderíamos ficar por lá. Depois de muito conversarmos com aquele povo, ele nos permitiu ficar sob uma condição – não poderíamos sair da maloca -, aceitamos e logo fomos escoltados até uma maloca comunitária. Foi somente neste momento que percebi o quanto estava agitado aquele povo. Colocamos nossas coisas sobre uma esteira e corremos para a janela. Queríamos ver o que estava acontecendo. Nesta hora quase caí, tão abismado fiquei com a cena que vi. No meio do terreiro sobre uma plataforma de madeira, estava o corpo de um animal morto, totalmente desconhecido para mim e para meus outros companheiros, ficamos perplexos. Queria eu naquela hora ter uma máquina fotográfica ou uma filmadora. Era um ser de aparências mitológicas, uma serpente com a cabeça de jacaré, corpo de cobra, somente duas barbatanas que saíam da base da cabeça, e o mais interessante era que por todo o seu dorso corria uma densa fileira de pêlos que mais parecia crina de cavalo, estes pêlos variavam do negro ao vermelho, apresentando um tom de fogo. A pele escura e coberta de grandes escamas cintilantes, traziam matizes que variavam em tonalidades de azul e verde. Era um animal bizarramente fantástico. Provavelmente algum remanescente da era pré-histórica e certamente o último de sua espécie. Aquele povo estava movido por uma comoção, homens munheres, velhos, jovens e crianças choravam copiosamente enquanto dançavam a redor daquele misterioso ser; até parecia o funeral de uma pessoa muito querida. Fiquei assistindo aquele ritual até que certa hora, alguns homens começaram a colocar toras de madeira sob o animal, logo percebi que iriam atear fogo e desobedecendo às ordens que tinha recebido, tentei convencê-los a não queimar o animal, pois queria levá-lo para ser estudado pelos cientistas. Fui duramente dominado e colocado novamente na maloca. Desta vez deixaram dois índios a nos guardar. Atearam fogo, e quando as chamas já estavam bem alta percebi que misteriosamente o animal não era atingido pelo fogo. Doze pajés fizeram um cerco à criatura e recitaram encantos de pajelança. As chamas misteriosamente mudaram de cor passando para um azul e rosa de rara beleza, e só assim, o fogo começou a consumir tão maravilhosa criatura. Os índios entraram em total desespero, corriam, choravam, desmaiavam, era um verdadeiro caos. Ficamos assustados, corremos para um canto da maloca e em silêncio apenas ouvíamos o sofrimento daquele povo. Depois de muitas horas sem conseguir dormir voltei para a janela e aquela criatura estava quase toda reduzida a cinzas. Pela manhã os índios pegaram as cinzas do animal e num cortejo, seguiram para o rio. Suas fisionomias retratavam um grande sofrimento que se misturavam com pavor enorme. Após terem jogado as cinzas na água voltaram para suas malocas desolados. Perguntei então o que tinha acontecido. Um pajé me respondeu que aquilo era o funeral da “Mãe-dágua” que protegia sua aldeia. Assim, começou a contar a história daquele magnífico ser. Dizia a lenda que há muito tempo atrás nasceram naquela aldeia, numa bela noite de lua cheia, duas crianças. Um menino, filho do grande chefe e uma menina filha do pajé. Nesta noite os espíritos da mata foram visitar as crianças e as abençoaram. Seus pais muito felizes prometeram um ao outro em casamento. Ele cresceu forte, grande dominador das artes guerreiras. Ela, a exemplo de seu pai, dominava as artes da pajelança, superando em muito se velho genitor. Cresceram juntos e alimentando uma grande paixão pelo outro. Próximo do seu casamento, uma peste tomou conta da aldeia. Muitos índios já haviam morrido, temia-se até que aquele povo desaparecesse. O jovem guerreiro adoeceu e vencido pela peste morreu. A pobre índia chorou dias a morte do amado. Então prometeu, que nunca seria de outro homem e que procuraria uma forma de acabar com as mortes, pois a dor que ela sentia não deveria ser sentida por mais ninguém, e que não deixaria seu povo desaparecer. Durante vários dias e noites ela ficou sobre a pedra do rio lançando suas súplicas aos espíritos, até que um dia, quando os índios foram procurá-la ela havia desaparecido, só encontraram o rastro de uma cobra que entrava rio a dentro. Deste dia em diante não morreu nenhum outro índio com aquele mal. Dizem os índios que ela se transformou na serpente do rio para proteger o seu povo, e enquanto habitasse as profundezas daquele rio sua tribo não seria dizimada. ... Por isso durante as luas cheias as meninas da tribo faziam oferendas nas águas para alimentar sua protetora.” . Disse o pajé que aquele animal era a tal índia que se transformou em cobra dágua, embora soubessem de sua existência nunca tinham falado para o homem branco porque se tratava de um deus para seu povo, e tudo que o homem branco colocava a mão. era destruído. Disse, ainda, que aquele choro do seu povo era porque sabiam que depois daquele dia não teriam mais a proteção da mãe dágua e temiam pela extinção de seu povo. Pegamos nossas coisas e voltamos para a mineradora e, posteriormente, para nossas vidas. Chegando a Belém contei o que tinha passado mas ninguém acreditou, diziam que era estória dos caboclos da região e como não tinha provas da existência daquele animal. Pouco tempo de pois, desisti.. ...Hoje, voltando a mineradora, a convite de meu primo que é um dos sócios, em virtude do encerramento das atividades de umas das minas de extração, resolvemos fazer uma visita àquele povo. Para meu espanto a aldeia não existia mais, onde ficavam aquelas pequenas ocas eram hoje uma próspera cidade portuária. Não sei qual a verdadeira relação da lenda que escutei naquele tempo, mas o povo que conheci não existia mais, sua cultura tinha sido esquecida, e muitos nem sabiam da história daquela mãe dágua. Queria ter uma foto do animal para mostrar para vocês, como não tenho, guardo aquelas imagens ainda vivas na minha memória.


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